Margens Soltas
Em Margens Soltas, não há formato definido, só palavra viva. São histórias, reflexões e fragmentos que se recusam a seguir trilhos. Cada texto é um voo, às vezes baixo, às vezes alto, sempre verdadeiro.
Sobre 478 – Vidas em Quarentena
Quando a pandemia bate à porta, o que fica trancado do lado de dentro?
478 é o número de um prédio comum na Tijuca. Mas, durante os meses mais intensos da pandemia, ele se transforma num palco silencioso onde dramas privados se desenrolam longe dos olhos do mundo. O que começou como um retrato da quarentena virou, para mim, um espelho das dores que sempre estiveram ali — só ganharam volume quando o silêncio foi imposto por decreto.
Escrevi este livro para registrar um tempo que não deveria ser esquecido. Não só pelas mortes e pelas máscaras, mas pelos dilemas que floresceram entre quatro paredes: traições silenciosas, amores escondidos, vícios reaparecendo, famílias em ebulição, afetos sendo reinventados por pura necessidade de não enlouquecer.
A cada apartamento, uma história. A cada morador, um conflito que ecoa os temas que o Brasil carrega há décadas — desigualdade, machismo, homofobia, repressão, abandono, fé, esperança.
Literariamente, 478 é um romance coral, onde vozes distintas se entrelaçam para formar um retrato emocional e cru da vida em confinamento. A narrativa respeita o caos, alternando entre cenas densas e momentos de respiro, com descrições sensoriais e uma linguagem que valoriza o não dito. O foco está nos detalhes — no som da chaleira ao fundo, no olhar desviado no corredor, na criança que não entende por que não pode mais brincar na calçada.
Escrevi porque precisava lembrar. E porque talvez, ao contar essas vidas trancadas, eu estivesse tentando abrir a porta da minha também — com mais escuta, mais humanidade, mais coragem.
Sobre @SantaSul – Um conto sobre não se perder de si
@SantaSul não é apenas um livro sobre juventude, fé ou sexualidade — é sobre os silêncios que nos moldam, sobre o que não se pode dizer em voz alta numa casa onde a moral vem antes do afeto.
A história de Dionatam nasce do desejo de escancarar o que muitas famílias preferem varrer para debaixo do tapete: o uso da religião como forma de controle emocional, a negação do prazer como parte da vida e o abismo entre o que se espera de um “bom filho” e quem ele realmente é. Numa sociedade onde o corpo LGBTQIAPN+ ainda é marginalizado, culpabilizado ou explorado, Dionatam tenta sobreviver — vendendo imagens suas em redes adultas, flertando com a ideia de poder e liberdade, mas também se perdendo no labirinto da validação e da solidão.
Literariamente, o livro transita entre o íntimo e o cru. É uma narrativa contemporânea, marcada por pausas abruptas, memórias fragmentadas e um ritmo que acompanha a oscilação emocional do personagem. Não há um caminho linear — porque crescer nunca é um processo limpo. A linguagem é direta, às vezes sensual, outras vezes introspectiva. Cada capítulo é como uma janela aberta num quarto escuro: revela, mas também assusta.
Escrevi @SantaSul porque me vi e vi outros nele. Porque ainda hoje, muitos jovens vivem sob o peso de expectativas que esmagam, ao mesmo tempo em que são expostos a um mundo digital onde tudo pode ser vendido — até a própria imagem. E porque, apesar de tudo, acredito que contar essas histórias pode abrir brechas de cura, de reflexão e talvez, de libertação
"E o Verbo se Fez Carne" - João (1:14)







